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domingo, 31 de julho de 2022

Sentir, compreender e valorizar o outro na sua singularidade.

 Eu trabalho desde os 10 anos. Na verdade até menos. Mas, a tempo inteiro,  trabalho há mais de 35 anos. E que tempo inteiro… Trabalhava das 09h00 às 24h00 com um dia de folga por semana e recebia 13.000$00. Não existia contrato de trabalho escrito e vi a saber recentemente que nunca foram feitos os descontos que a lei exigia na altura.

Quando entrei, uma colega da confiança dos patrões, explicou-me como se deveriam executar as diferentes atividades e logo me foi dizendo que o lugar não era para molengonas. Na verdade, nenhuma molengona aguentaria trabalhar mais de 16h diárias. Ainda estive lá cerca de dois anos, caí nas graças da patroa e consegui regalias tão fantásticas como poder tirar a minha folga repartida por vários dias o que me permitiu usar esse tempo para tirar a carta de condução.

Sim, eu sei,…  para quem não viveu essa realidade, algumas das minhas recordações parecem mesmo tiradas de um filme.

Poderá até parecer que me estou a queixar. Mas não. Para mim, foi uma grande, grande aprendizagem. Só refiro para poder exemplificar a evolução da realidade laboral.

Tal como em tudo o resto, no que se refere ao trabalho, tanta coisa mudou desde então! Na verdade, para ser mais rigorosa a expressão é; no que se refere ao trabalho, para alguns de nós, tanta coisa mudou desde então! Para alguns de nós!

Em determinados períodos do tempo, a prioridade era conseguir direitos mínimos como férias, licenças de maternidade e equiparados, noutros períodos a prioridade era o trabalho infantil, noutros ainda a igualdade de oportunidades, … Talvez em todos os tempos, todas estas! 

Muito trabalho se tem feito.

Muitos movimentos foram criados, muita legislação foi proposta, discutida e publicada. Por muito que nos falte melhorar, e falta, muitos resultados positivos foram já alcançados.

Curioso até, que para além de todas estas mudanças que tem vindo a resultar em melhorias efetivas, existiram também oscilações de semântica. Nesse tempo, os trabalhadores eram os funcionários ou subalternos. Mais tarde, muitas dissertações foram feitas defendo o uso da palavra colaborar em detrimento de trabalhador só para dar um exemplo. Na verdade, estas oscilações mantem-se. Nos últimos tempos algumas opiniões defendem gestão das pessoas em detrimento de gestão de recursos humanos e, há ainda quem defenda, que as pessoas não se gerem, lideram-se. Na verdade, a tendência mais recente é o uso de estrangeirismos, sejam eles quais forem.

Parece-me que mais do que as palavras que se usam, fazem a diferença as atitudes e as ações que tomamos.

Juntam-se a todas estas mudanças, afetando de forma inimaginável a realidade laboral,  a mudança associada à evolução tecnológica.

Alguém que como eu, viveu a sua infância e juventude sem luz elétrica, sem nenhum tipo de meio de comunicação que não fosse o contato pessoal, sem meios de deslocação que não fossem o andar pé e de mula,… jamais poderia imaginar, a título de exemplo, que algum dia pudesse vir a ministrar formação através dum écran para pessoas que podem estar noutro continente. E muito menos ainda dinamizar essa formação com atividades em grupo. 



Na verdade, na altura nem conseguiria imaginar sequer o que seria um écran.

Não existe nenhuma dúvida sobre as vantagens que esta evolução nos tem trazido. Mas, também são evidentes os desafios inerentes, essencialmente no que se refere às pessoas e a tudo aquilo que, enquanto pessoas, precisamos para continuar a sê-lo.

As competências que as organizações pensavam ter, foram postas em causa e mais que a capacidade de adaptação tem sido importante a celeridade com que o conseguimos (ou não) fazer.

Por muitos acrônimos que possamos usar para explicar esta realidade, no meu entendimento, o maior desafio é assegurar que, enquanto trabalhadores/as, podemos continuar a ser pessoas. Podemos continuar a ler e deixar ler o olhar, a sentir e a expressar emoções através do rosto, do brilho nos olhos(ou a falta dele), dos movimentos das mãos, dos dedos, das pernas, do andar e até do cabelo, … podemos continuar a sentir o outro, a observar, ler e responder à linguagem não verbal de forma tão natural como ser Humano.

É verdade que a tecnologia nos permite entrar em contato, em segundos, com alguém que pode estar no outro extremo do planeta. Foi o que nos salvou nesta fase conturbada. Certamente a usaremos com muito mais intensidade a cada dia. Mas, será que nos permite sentir a pessoa? O que ela sente, as suas alegrias, as suas tristezas, os seus medos, os seus desafios, o seu potencial único, … aquilo que partilha connosco quando não nos diz nada?

Dirão alguns que também não é necessário…  Será que não? Será que sentirmo-nos pessoas, pode ter alguma influência no nosso nível de energia, no desenvolvimento das nossas competências e naquilo que, enquanto pessoas, conseguimos (ou não) fazer nas organizações e no mundo?

Por muitas teorias que possamos conhecer, por muitos livros que possamos ter lido, por muitas técnicas que conheçamos, sentir o outro, na riqueza da sua singularidade, ainda continua a ser algo exclusivo das pessoas. De algumas pessoas.

Esta sempre foi e, será cada vez mais, uma competência indispensável à liderança. 

Reinventar essa capacidade para um mundo laboral mais tecnológico e mais disperso é, no meu entendimento, o grande desafio.