segunda-feira, 26 de junho de 2023

E se o Sistema de Gestão da Qualidade(SGQ) não acrescentar valor?

 A pergunta pode parecer tonta..., mas talvez não seja assim tão raro encontrar situações em que isso aconteça. Pode até acontecer que só acrescente custos.

São muitos os motivos pelos quais as organizações implementam e certificam sistemas de gestão da qualidade;

-  o mercado ou alguns clientes em concreto "exigem"

- os concorrentes todos (ou quase todos) já são certificados;

- os gestores da organização consideram que a organização "trabalha bem";

- pretendem melhorar a sua forma de produzir (produtos e/ou serviços);

- pretendem criar regras para as suas equipas;

- pretendem aumentar o prestígio no mercado;

- pretendem aumentar a sua produtividade;

- pretendem melhorar a sua organização no seu todo e com isso aumentar o seu desempenho a todos os níveis;

- alguns dos anteriores

- qualquer outro que não me tenha ocorrido.

Todas os motivos são legítimos. Existirão sempre circunstâncias que justifiquem cada um. 

O que às vezes passa despercebido é que motivos diferentes, implicam formas de implementar diferentes e logo resultados diferentes. 

 E perante resultados inesperados podem surgir expressões como; "Nós implementamos o SGQ a pensar que iríamos ter mais clientes por ser certificados e isso não aconteceu" ou "disseram-nos para fazer assim, mas isso rouba-nos muito tempo" ou outras com o mesmo tipo de desabafo.

E quando o sentimento é este, ... que fazer?

Ficar no limbo a ver se passa, pode não ser uma boa opção. 


Se há uma insatisfação declarada, há que identificar motivos e depois ações.

Sem conhecermos a situação em concreto é pouco provável que consigamos saber quer uns (motivos) quer outras (ações).

A título de exemplo o motivo pode estar relacionado com a motivação que levou à certificação e em consequência à forma como o sistema de gestão da Qualidade foi implementado. Que até podem ter sido válidos á data que a decisão foi tomada.

As circunstâncias mudam a cada momento, é necessário mudar com elas.

Quanto às ações a tomar, dependerão sempre de qual é o motivo, mas a título de exemplo podem passar por;

a) Reformular o SQG. 

REFORMULAR. Não estou a falar de corrigir um procedimento ou outro pois isso é o normal. 

Reformular implica repensar tudo: 

  • será que é conhecida a realidade da organização, quais as suas fraquezas, quais as sua forças, que ameaças enfrenta, que oportunidades tem ao seu dispor?
  •  será que os processos definidos são de facto os adequados para a realidade da organização? Será que os indicadores definidos efetivamente medem desempenho e são usados para melhorar as decisões? Será que os riscos são conhecidos e tratados? Será que os gestores dos processos dinamizam o SGQ no mínimo ao nível do seu processo? 
  • Será que o sistema documental está definido de forma a ser uma ferramenta em vez de uma biblioteca de burocracia?  Será que as pessoas participaram / participam na definição das metodologias? E conhecem-nas? E sabem quais as consequências de não cumprir as metodologias definidas? 
  • Será que as metodologias definidas para cumprir os requisitos da NP EN ISO 9001 estão integradas no sistema de gestão da organização? Dito de outra forma; no dia a dia da organização? 

b) Abandonar a opção certificação

Ter um certificado, só por si, não é garantia de que se venda mais. Existem organizações cujos mercados e respetivos clientes não dão preferência a empresas certificadas. 

Por estranho que pareça a algumas pessoas, existem organizações não certificadas que tem negócios altamente rentáveis. Algumas delas, cumprem muitos dos requisitos da NP EN ISO 9001 de forma natural.

Por outro lado, nem todas as empresas certificadas aproveitaram a implementação da NP EN ISO 9001 para repensar a sua forma de estar, para refletir sobre as metodologias usadas e aplicar ferramentas que possam promover a melhoria e o desempenho da organização. Algumas até criaram um sistema paralelo para responder a alguns dos requisitos, aumentando assim a burocracia e o tempo despendido.

Se ao nível da gestão não forem identificadas as vantagens de fazer diferente, não faz sentido gastar dinheiro em auditorias (internas e externas), em formação e outras despesas associadas. É um investimento com retorno negativo.

Ah, …, mas isso é uma visão curta. Até pode ser, mas é uma escolha. Legítima, desde que seja consciente.

c) Manter a implementação do SGQ e abandonar a certificação

Obter uma certificação implica o cumprimento de todos os requisitos da NP EN ISO 9001, exceto os não aplicáveis. 

Verdade que a maioria destes requisitos levam à implementação de boas práticas de gestão e por isso são capazes de trazer retorno positivo. Se se fizer uma reflexão sobre eles para encontrar a melhor forma de os cumprir e se os conseguirmos integrar no dia a dia da organização, sem ser mais uma obrigação extra. Nem sempre é fácil fazer isso para todos os requisitos.

Mas as organizações podem implementar um sistema de gestão da qualidade e cumprir somente os requisitos que fazem mais sentido para a sua realidade. Ou podem começar pelos que são mais necessários e ir avançando aos poucos.

E, se não pretenderem certificar, esta é uma opção válida.

Não terão um sistema da qualidade completo, mas terão o que lhe fizer útil no momento.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

A relevância do "interesse".

 Compreender as necessidades e expetativas das partes interessadas é uma cláusula da NP EN ISO 9001. 


Uma cláusula que não exige informação documentada, mas que contém vários requisitos. 

O primeiro deles é determinar quais são as partes interessadas que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade.

Por vezes obtemos como resposta algo como; sim, identificámos as nossas partes interessadas. São: trabalhadores, clientes, acionistas e fornecedores. 

E, quando colocamos a hipótese de serem mais, questionando por exemplo; então e bancos, não são partes interessadas para vós? E os sindicatos? E seguradoras? E...

Muitas vezes obtemos como resposta algo do género; ah, ... é os stakeholders que quer? Ao que regra geral respondo: Não, para mim, não quero nada :)

Para mim estas diferenças, são, no mínimo, estranhas. 

Mas, deixando este comentário de parte, vamos analisar o que dizem os referenciais, tentar perceber se identificam estas diferenças  e tentar entender a finalidade da existência da cláusula.

Comecemos pela definição apresentada na NP EN ISO 9000:2015. 

Para que não existam dúvidas por baixo de parte interessada aparece stakeholder. 

3.2.2 parte interessada
stakeholder

Para conhecer a origem, consultei a versão original em inglês e o título aparece:

interested party
stakeholder

e a definição propriamente dita, na versão em português, refere;

Pessoa ou organização que pode afetar, ser afetada por, ou considerar-se afetada por uma decisão ou atividade.

Que possam afetar, ser afetada ou considerar-se afetada... inclui muitas pessoas ou entidades...
 
A sua própria criação pressupõe a existência de necessidades e expetativas (requisitos) de um grupo de potenciais clientes que esta se propõe satisfazer.

E, assumindo este pressuposto, a própria constituição da organização pressupõe a satisfação de requisitos legais em relação a determinados Organismos. E, ...  as relações não param mais. Nem podem. 

As organizações não existem isoladas. 

A existência da Organização e o seu sucesso dependem do resultado dessas relações e da forma como elas são geridas. Todas as partes pretendem ver as suas necessidades e expetativas satisfeitas.

Então, se a (nossa) organização, pretende relações ganhadoras precisa satisfazer as necessidades e expetativas das suas partes interessadas e vice-versa.

E, é por isso que a cláusula 4.2 começa por pedir que a Organização determine não só quais são as partes interessadas, mas também quais são os seus requisitos:

4.2 Compreender as necessidades e as expetativas das partes interessadas

Devido ao impacto ou ao potencial impacto na capacidade da organização para, consistentemente, fornecer produtos e serviços que satisfaçam tanto os requisitos dos clientes como as exigências estatutárias e regulamentares aplicáveis, a organização deve determinar:

a) as partes interessadas que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade;

b) os requisitos destas partes interessadas que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade.

A organização deve monitorizar e rever a informação acerca destas partes interessadas e dos seus requisitos relevantes.

Há, no entanto, algo neste texto que interessa esclarecer; as partes interessadas que são relevantes para o Sistema da Qualidade.

relevantes? ... A NP EN ISO 9000:2015, em Conceitos fundamentais, mais propriamente em 2.2.4 diz; 

"... as partes interessadas relevantes são as que proporcionam risco significativo para a sustentabilidade da organização se as suas necessidades e expetativas não forem satisfeitas. ... "

Risco significativo pode ser algo diferente de organização para organização e na verdade dentro da mesma organização pode ser diferente de pessoa para pessoa, cada um pode ter uma interpretação diferente, pelo que pode fazer sentido definir critérios que reduzam a subjetividade da expressão.

Clarifiquemos ainda; ... "para o Sistema da Qualidade"?

Será que o Sistema de Gestão da Qualidade tem que ser algo à parte do Sistema de Gestão? ...  não me vou adiantar muito, proponho antes que possa consultar o texto Conversas Comuns

Se quisermos cumprir a cláusula a primeira coisa que a organização precisa demonstrar é que tem claro quais são as suas partes interessadas relevantes.

E, para saber quais são os relevantes, precisa conhecê-las todas e, depois disso, através de critérios, decidir quais são os relevantes.

Sabendo quais são as partes interessadas relevantes há que identificar quais os seus requisitos, ou seja, o que é que elas esperam da (nossa) organização. 

E saliento isto; o texto da cláusula diz; b) os requisitos destas partes interessadas que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade.

Claro que a organização também pode, e certamente será útil, definir quais os seus requisitos em relação às suas partes interessadas, mas o que é pedido é; quais os requisitos das partes interessadas em relação à organização. O objetivo é que a organização assegure que os consegue cumprir, deixando as partes interessadas satisfeitas e com isso garantindo a continuidade da relação.

Referir também que não são todos os requisitos, mais uma vez são os que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade.

Para finalizar a cláusula 4.2 refere;
A organização deve monitorizar e rever a informação acerca destas partes interessadas e dos seus requisitos relevantes.

A única coisa certa que temos é que tudo muda a cada instante. Esta informação não é exceção. 

Pode ser que uma Parte interessada que este ano foi considerada relevante no próximo ano tenha perdido a sua relevância. Ou ao contrário, uma parte interessada que este ano foi considerada não relevante no ano seguinte pode ter ganho relevância.

Há que acompanhar, de preferência numa periodicidade previamente estabelecida.

Por outro lado, há que aferir se a organização está a conseguir cumprir os requisitos relevantes das partes interessadas relevantes. Pode ser por exemplo através de indicadores.