Escrever sobre a implementação de Sistemas de
Gestão da Qualidade (SGQ) e especificamente do papel do/a gestor/a da Qualidade, pode ser demasiado abrangente e até injusto ou
incorreto da minha parte.
As minhas experiências poderão não
representar aquilo que se passa na generalidade dos casos, embora pense que
sim...
Hoje, atrevo-me, pois, a recordar a minha
experiência como Gestora da Qualidade.
Foi uma experiência desafiante e relativamente
longa – cerca de 13 anos. Mas acima de tudo uma experiência muito
enriquecedora.
Tentando ser mais clara, o que pretendo dizer
é que como Gestora da Qualidade tive que ultrapassar muitos obstáculos, na
maioria das vezes sozinha.
Tentando fazer um pouco de história… da minha
história.
Numa primeira fase, gestão de topo e
colaboradores manifestaram-se relativamente ao projeto da implementação do
Sistema de Gestão da Qualidade com grande entusiasmo. Infelizmente não pelos
melhores motivos…
A sensação que tenho é que a maioria das
pessoas acredita que a implementação do SGQ vai ajudar a corrigir o que pensam
estar mal na atuação dos outros/das outras áreas.
É estranho, mas é raro ouvir alguém dizer
“Ainda bem que vamos fazer isso porque nessa sequência vou melhorar a minha
forma de atuar ou vamos melhorar a nossa área”. Em vez disso, ouve-se com muita
frequência algo do género: “Gosto muito da ideia porque assim pode ser que
tenham (os outros) que melhorar”.
A partir do momento em que passamos do
anúncio do início do projeto para a concretização em si, as reações vão
variando. O início do projeto implica o envolvimento (leia-se, discussão,
análise, realização da documentação, implementação, … enfim, trabalho) de toda
a gente, mas essencialmente dos “donos" dos processos. E aqui mais uma vez
existem vários tipos de reações:
a. mais uma vez, os que aproveitam o facto de
se poderem definir regras para tentar definir exigências para os outros (Ah
sim, porque para eles não é necessário, já acuam corretamente!);
b. os que acham que eles até participam nas
discussões/reuniões de trabalho e a qualidade elabora a documentação e vai
exigir o seu cumprimento - colocam o/a gestor/a da qualidade no papel de seu
escriturário e de polícia/mau da fita;
c. E felizmente, também existem aqueles que
se colocam numa posição de participação, e querem saber tudo sobre todas as
exigências dos requisitos que lhe digam respeito. São os que além das atividades
calendarizadas, chamam sistematicamente o/a gestor/a da Qualidade solicitando que
este os ajude a encontrar a melhor solução para cada situação.
Claro que eu, e penso que os/as restantes
Gestores/as da Qualidade também, gostaria que todos os intervenientes tivessem reações
do tipo referido na alínea c.. Mas o mundo é composto pela diversidade e as
Organizações fazem parte desse mundo.
Constatadas estas diferentes reações, penso
que a melhor opção (foi pelo menos aquela que segui) é tentar agir de forma
pedagógica de forma a tentar influenciar comportamentos / reações.
O lema é o diálogo e a demonstração
sistemática das vantagens que se podem obter pela participação, pelo uso do
direito de decisão, no fundo por serem os próprios a definir objetivos, formas
de planear, de realizar, de controlar e de melhorar as suas áreas.
Não é fácil esta tarefa! As pessoas têm
dificuldade em entender que fazer parte do projeto de implementação de um
sistema de gestão da qualidade, nada mais é do que fazer parte de um projeto de
melhoria da sua área, do seu trabalho, e em última análise, da sua qualidade de
vida.
Fazer passar esta mensagem torna-se difícil
porque as vantagens não são visíveis de imediato. Mas vão aparecendo…
Quando a base do Sistema de Gestão da
Qualidade (determinação de processos, definição da estrutura documental, etc.)
começa a tomar forma e quando começamos a implementá-la, pouco a pouco, vão
aumentando os adeptos até um patamar que poderemos considerar bastante bom.
Há, no entanto, algo estranho: Fazemos um
percurso de meses a dar passos pequenos, mas consolidados até conseguirmos
andar normalmente. Melhor, até conseguirmos correr… congratulamo-nos,
festejamos, apostamos que estamos no caminho certo e que a partir de agora vai
ser mais fácil. A melhoria será mais evidente e havemos de conseguir coisas
muito interessantes.
É verdade que estão lançadas as condições,
mas não podemos deixar de fazer pressão (controlar, ou talvez
motivar/seguir/fazer crescer seja bem mais interessante) nem um minuto sequer.
Se o fizermos, quando nos apercebemos, as coisas já não estão tão bem como
seria de prever na altura dos festejos.
Há uns anos atrás quando falava com o Diretor
Geral da empresa onde fui Gestora da Qualidade sobre isto, ele animava-me
dizendo: “Oh Maria de Lurdes, isso não se passa só com a Qualidade, passa-se
com todos os temas. Assim que deixamos de seguir, … é estranho… parece
que as pessoas que há duas semanas sabiam muito bem como se fazia (!) de
repente se esqueceram …”
Sim, talvez isto aconteça com todos os temas.
Estou convencida que acontece mais com temas cujos resultados não são visíveis
de imediato. Os temas cujo objetivo são resultados (€) são seguidos mais de
perto. A chefia segue, acompanha, elogia, … motiva no fundo.
Os restantes temas, … nem sempre se dá à
qualidade a importância que dá às vendas, à produção, ou outras. E nessa
sequência nenhuma destas áreas entende que a qualidade seja da sua
responsabilidade, pelo que colaborar com o/a Gestor/a da Qualidade é algo que fazem
por frete ou simpatia – eles até têm tanta coisa para fazer e vem agora este
chatear-me com tretas…
Estas são, na minha perspetiva as maiores
dificuldades do/a Gestor/a da Qualidade. Dificuldades que doem. Doem muito! Parece
que todos os dias nos dizem ou dão a entender que o nosso trabalho não
interessa e que além disso só estamos a empatar o trabalho dos outros.
Como é que se ultrapassa?
Não sei se se ultrapassa… ou temos uma grande
capacidade de auto motivação, … ou vamos andar muitas vezes no ioiô, ora
estamos em cima, ora estamos em baixo.
Tentei fazer algumas coisas que me ajudaram a
ficar mais vezes em cima:
A primeira delas foi a formação. Sempre tive
muita preocupação em ser rigorosa e ter conhecimento exato daquilo que precisava
fazer. Só com esse conhecimento podemos convencer os outros das vantagens do
que lhe estamos a pedir e podemos responder sem problemas a qualquer auditoria.
O segundo, não menos importante e dentro do
mesmo espírito é a troca de experiências com outras pessoas que desempenham a
mesma função. Assim conseguimos identificar formas mais eficazes para conseguir
atingir os nossos objetivos.
E por último uma dose enorme de bom senso.
Temos que encontrar soluções que façam sentido a cada momento e em cada situação.
Não existem receitas pré-feitas e não devemos ser cegos na aplicação dos
conhecimentos senão aqueles que já acham que nós os empatamos, ficam ainda mais
convencidos disso.
Todas as dificuldades que referi atrás, têm
uma grande vantagem: a da aprendizagem. Na minha perspetiva não é possível
aprender sem experimentar. Pelo menos não é possível aprender da mesma forma.
Resumindo; implementar Sistemas de Gestão da
Qualidade é uma tarefa gigantesca, acima de tudo porque, algumas vezes, não se olha para esta implementação como uma forma de melhorar a organização,
mas como um certificado que é necessário obter.